Vidas Secas de Graciliano Ramos | Rudi Baroncello

“O pequeno sentou-se, acomodou nas pernas a cabeça da cachorra, pôs-se a contar-lhe baixinho uma história. Tinha o vocabulário quase tão minguado como o do papagaio que morrera no tempo da seca.”

Esse livro estava encalhado na minha estante há uns bons 5 anos, no mínimo. Comprei ele em um “sebo” aqui da minha cidade, na verdade um mercado que fazia um serviço parecido com sebo…

Aqui conhecemos uma família de retirantes que fogem da seca no nordeste brasileiro, cada capítulo é meio que um episódio a parte, não totalmente independente dos demais mas que possuem uma concisão que faz com que esse livro tenha sido chamado de “desmontável”, querendo dizer que não importava a ordem que você lesse, você conseguiria entender a história. Não concordo totalmente com isso… O livro tem uma sensação cíclica, com toda a certeza, mas desmontá-lo se torna impossível devido ao capítulo 9. O famigerado e famoso capítulo intitulado Baleia.

Por mais que o final do livro tenha ligação com o começo, por mais que os capítulos pareçam cada um um conto com princípio meio e fim, do capítulo 1 ao capítulo 8 somos preparados para o que acontecerá no 9, eles constroem o peso desse acontecimento, e do 10 em diante o evento é sempre lembrado e assombra os personagens.

Uma coisa muito interessante que eu vi foi a forma como o autor trata os personagens, Fabiano pelo nome, sua esposa por título e nome, os filhos apenas como meninos… eles são pouco mais do que uma bagagem do protagonista, que nem nome tem. Apesar de ser igual, a sensação é bem diferente da sensação que Josh Malerman passa em Caixa de Pássaros, com Malorie, batizando as crianças de Menino e Garota. Já a cachorra parece ser o que mantém a família unida, é a representação da infância dos meninos, o limite da humanidade de Fabiano, e o seu nome irônico também carrega seus diversos significados, para citar algo que me deixou pensando: a esquelética cachorra chamada Baleia é uma ironia, eu vi como uma metáfora da esperança de uma vida melhor, já que mesmo com todas as dificuldades que a família enfrenta, eles carregam suas poucas coisas, sua família, e  cachorra, procurando um lugar melhor, onde todos terão fartura e abundância e, quem sabe, a cachorra passe a fazer jus a seu nome.

Em suma, é um livro incrível, eu definitivamente não esperava algo tão carregado de significado, se você leu vamos conversar sobre quais metáforas você viu no livro e se você concorda com a ideia de “livro desmontável”

Graciliano Ramos (1892-1953)

*Publicado originalmente em 19/07/2020, no Hiattos.


+INFO Livro: Vidas Secas | Autor: ‎Graciliano Ramos | Editora: Record | 160 páginas | Compre: Estante Virtual, Amazon

★★★★★

4 comentários sobre “Vidas Secas de Graciliano Ramos | Rudi Baroncello

  1. Nunca li esse e, para falar a verdade, acho que eu tenho um pouco de medo desse livro. Medo de chorar demais kkkkkk. Todavia, li O Quinze da Rachel de Queiroz, que parece que conversa muito com Vidas Secas, e sério, me emocionei demais com aquele livro.

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    1. Não acho que o livro vá te fazer chorar, Kelly.
      Ele tem seus momentos tristes, e não são poucos, mas o autor narra tudo de forma bastante seca e direta, como se não desse muito espaço para os sentimentos, pelo menos em sua maioria, tem momentos onde ele se atém um pouco mais e pode dar sim uma emocionada, mas não me parece ser o objetivo dele

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  2. Conheço o nome do escritor e não sei de onde, não me lembro de o ter lido, até porque não foram assim tandos os autores brasileiros que li para me ter esquecido. Contudo achei a descrição interessante e fez-me lembrar As vinhas da Ira, vou ficar desperto para o autor.

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    1. Olá Cefaria,
      É um autor que constantemente aparece em lista de vestibulares, talvez tenha ouvido falar dele daí, ou de alguém comentando sobre ele na internet mesmo… outros dois livros bastante famosos dele se chamam Memórias do Cárcere e São Bernardo.
      As Vinhas da Ira está no meu radar há um bom tempo. Esperando alguma editora publicar uma edição descente dele…

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