RELEITURA: Clara dos Anjos de Lima Barreto

Resolvi reler Clara dos Anjos do Lima Barreto. Queria ler algo que tivesse certeza que iria gostar e a melhor opção nesse caso é a releitura. Esse é um dos meus livros favoritos da vida, bem como o Lima, é um dos meus autores nacionais favoritos. Falar sobre como esse livro é bom soa até estranho, pois não pense que temos aqui uma história fofinha, muito pelo contrário. Temos o enredo de uma tragédia familiar, e uma tragédia familiar à moda brasileira.

Eu já escrevi sobre esse livro aqui no Blog em 2018, quando o li pela primeira vez. Clara dos Anjos, publicado em 1948, é sobre uma jovenzinha, Clara, que se apaixona por um traste – um traste aos olhos de todos menos aos dela, é claro. É sobre como os pais erram ao pensar que mimando os filhos, os super protegendo, os mantendo longe da realidade, ao não prepará-los para lidar com esse mundo cruel e perigoso, na verdade, estão expondo seus filhos amados muitas vezes aos mais terríveis destinos. Clara dos Anjos é também sobre a vida no subúrbio brasileiro (ou periferia), o problema da desigualdade social, o problema do racismo, o problema da natureza humana que de um jeito ou de outro, na genialidade ou ignorância, é má.

A narrativa do Lima é incrível, simples, limpa, certeira, brasileira. Foi relendo dessa vez que pesquisei um pouco e descobri que o autor pertence ao Pré-Modernismo, período que teve como uma de suas marcas a ruptura com academicismo e o uso da linguagem coloquial, simples; bem como uma literatura regionalista e nacionalista [1].

Os personagens desse livro são igualmente incríveis. É interessante que não se trata de um livro de muitas páginas – varia entre 150 a 200 conforme a edição -, mas tem personagens muito bem desenvolvidos. Digo isso não só se tratando dos protagonistas. Vários personagens dentro do mundo Clara dos Anjos são retratados com profundidade, com a realidade da complexidade humana. E deve ser dito que esse é um livro sobre pessoas desimportantes da sociedade brasileira, por isso também, é um livro que me tocou ainda mais nessa segunda leitura. Ler Clara dos Anjos faz você pensar no desamparo das pessoas, e pessoas do nosso país. Seja esse desamparo pela origem humilde, pelo pouco estudo, pelo pouco dinheiro, pela falta de estrutura das cidades, pela ingenuidade, pela ignorância, pelos vícios, pelos poucos amigos, por tantos e tantos fatores que cercam esse povo tão sofrido. É uma leitura que te leva a melancolia, que deixa sim um gostinho amargo. É uma literatura que não te leva para o mundo dos sonhos, ao contrário, cimenta seus pés bem no chão da realidade.

Eu gostei muito de ter relido esse para mim um clássico da literatura nacional. Dessa vez consegui aproveitar bem mais a leitura, percebendo algumas nuances e aspectos que tinha deixado passar da primeira vez. Foi relendo agora que percebi também dentro do livro mais de duas duplas de personagens contrastantes, colocados lá na sua frente para que você pense sobre o comportamento de um e de outro, as decisões que um toma e que o outro toma nas mesmas condições e situações. O Lima não diz, esse é bom e aquele é ruim, esse certo, aquele errado, com exceção do vilão da história que é um traste mesmo e que ele não economiza nos adjetivos, mas para essas duplas de personagens opostos, o autor faz você pensar, você mesmo julga por si e também a si. Leia.

[1] https://www.todamateria.com.br/pre-modernismo/

Créditos Imagem: Mulata: de Alfredo Volpi (Romulo Fialdini/Veja SP)

+INFO Livro: Clara dos Anjos, 1948 | Autor: Lima Barreto (1881-1922) | Edição lida: Paulus, 2014 | Páginas: 211 | Amazon | ★★★★★

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