“O paraíso permanecia rigidamente em seu lugar do outro lado da morte, e deste lado floresçam as injustiças, as crueldades, a mesquinhez que em outros lugares as pessoas escondiam com tanta engenhosidade.“

Já fazia um tempo que eu tinha curiosidade de ler algo desse cara, sempre ouvi falar dele, tanto quando se referiam a autores cristãos como quando se referiam a grandes escritores americanos, considerados semi-clássicos. Consegui então esse livro através de uma troca no Skoob e então finalmente tive a oportunidade de conhecer a obra dele.
Aqui conhecemos o Major Scobie, ele trabalha em uma colônia britânica na África, pela capa já podemos supor que se passa em Serra Leoa, um país localizado no litoral ocidental do continente. Quando sua esposa, Louise, vai viver com ele começa a infernizá-lo para que ele a mande para viver na África do Sul, onde outras esposas de oficiais moram, alegando que na colônia onde está ela não tem amigos e ninguém gosta dela, o que na minha opinião faz todo sentido porque eita mulherzinha insuportável, viu!?
Depois de um perrengue danado para conseguir dinheiro para mandar a megera, digo, a esposa, para a África do Sul, Scobie ajuda no resgate das vítimas de um naufrágio, e lá ele presencia a morte de uma menina que o faz lembrar da morte de sua filha, alguns anos antes. Enquanto se contorce com o luto ressurgido ele acaba se envolvendo com um mulher que também foi resgatada do naufrágio e acabou ficando viúva em decorrência dele. A partir daí vemos um homem dividido entre a sua fé, ele é bastante católico, e seu amor, que segundo ele é igual, em relação a esposa e a amante.
É interessante ver como a história de Scobie se desenrola, mostrando uma pessoa controversa, que ao mesmo tempo que tenta transparecer uma santidade, e inclusive convencendo a si mesmo que é tão santo quanto possível, se afunda cada vez mais no pecado do adultério, que acaba se revelando apenas a raiz de uma vida pecaminosa, onde um abismo chama outro abismo, assim como vemos na história do adultério do Rei Davi, quando esse pecado abada dando origem a outros e causando consequências irreparáveis na vida do mesmo.
Diferente da história de Davi aqui vemos que as consequências do pecado recaem única e exclusivamente sobre o pecador, até porque ele não tem filhos ou familiares próximos nos quais a sua queda pudesse respingar lama. Vi muita gente dizendo que o final do livro era algo romântico, uma espécie de redenção e até mesmo a única saída possível, mas eu não concordo com isso, como eu disse: para mim é muito mais uma história sobre o pecado, parafraseando as palavras de Davi “apodrecendo os ossos do pecador”, e como um abismo chama outro abismo até que a pessoa se encontre tão profundamente que não enxerga mais a saída mais lógica, uma história que mostra na prática qual é o salário do pecado.
O autor era católico e ainda é reconhecido como um dos grandes autores católicos, mas ele não gostava dessa alcunha, ele preferia dizer que era um autor que tinha como religião o catolicismo, mas nas minhas parcas pesquisas fiquei sabendo que o tema do pecado e suas consequências é algo que permeia a obra dele, quero muito ler outras coisas dele, já que essa primeira experiência foi bastante satisfatória.
*Publicado originalmente em 16/05/2020, no Hiattos.
+INFO Livro: O Cerne da Questão | Autor: Graham Greene | Primeira publicação: 1948 | Editora: Biblioteca Azul | Páginas: 350 | Amazon, Estante Virtual
★★★★☆
Ele tem dois grandes temas nos seus livros: a espionagem na guerra fria, onde o religião passa para segundo plano; e a questão do pecado no crente ou mais a discrepância entre os atos e a lei de santidade.
Em O Poder e a Glória é muito evidente, aí ele retrata um padre alcoólico e pai de uma filha fruto de uma relação, isto precisamente no momento em que o México quase impôs o casamento dos sacerdotes e o abandono do exercício clerical, mas onde ele se esforça por cumprir um último dever como padre em resultado da sua fé.
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Olá!
Já li O Poder e a Glória, é meu favorito dele! Essa questão da espionagem e guerra vi um pouco (principalmente a parte da guerra) em O Americano Tranquilo, que admito não ter morrido de amores, mas quero ler mais coisas do autor, sem dúvida
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