A esposa de João Wesley

Mary Vazeille foi apresentada a João Wesley em 1751 por um amigo incomum chamado Vicent Perronet. Vazeille era viúva, mãe de quatro filhos, possuía uma boa situação financeira, e parecia ter as qualidades que devem adornar uma esposa de pastor. O casamento foi tratado rapidamente, sendo realizado 15 dias após ser combinado. Vazeille viveu até o ano 1781, e durante aqueles trinta anos era para o marido a encarnação de uma tormenta constante. A princípio ela lhe acompanhava em suas viagens de pregação, mas o seu gênio de ficar descontente, e de contrariar a todos ao seu redor, acabou com isso. Dentro de um mês depois do casamento o tópico predileto desta notável mulher foi conversar sobre as faltas do seu grande marido.

Todas as boas qualidades dela eram, com efeito, eclipsadas por um grande defeito: era muito ciumenta. Incapaz de compreender a natureza e elevação do caráter de seu esposo, nem a pureza de seus motivos, deixou-se levar por sua imaginação desviada até conceber as suspeitas mais absurdas e afrontosas. Quando descobriu que não podia induzi-lo a adotar a vida sedentária que ele considerava incompatível com sua missão especial, ela deu rédeas soltas ao seu mau caráter e aos pensamentos perversos. Dominada por idéias preconcebidas, algumas vezes o seguia até 100 milhas de distância para vê-lo entrar em uma cidade e descobrir que tipo de companhia ele levava pelo caminho afora. Abria suas cartas, examinava seus papéis particulares, entregando-os algumas vezes aos seus inimigos com a esperança de chegar a censurar o seu caráter.

Carlos Wesley (irmão de João Wesley) com traços de humor inconsciente dá uma ideia da capacidade desta infeliz em brigar. EIe diz: “Dois minutos antes da pregação eu visitei a Sra. Wesley na Foundry e em todo este tempo não tivemos uma única briga”. Deveras, Carlos tomava as fúrias da mulher de seu irmão em sentido humorístico. Costumava chamá-la de sua “melhor amiga”, porque ela lhe contava as faltas com mais diligência e ênfase do que qualquer outro ser humano. Entretanto, Carlos foi uma vez, por um momento, tocado fora dos limites de sua filosofia. Esta mulher estava acostumada a acusá-lo de preguiça; mas um dia em espírito mais malévolo do que de costume, ela declarou-lhe que durante anos a sua querida Sally fora amante de seu irmão! Carlos sapateou de raiva com esta difamação de sua esposa, a qual, por sua vez, com o seu bom senso sereno e invencível, simplesmente sorriu e disse: “Quem há de acreditar na minha irmã agora?” Esta mulher realmente parecia não conhecer limites! O pregador João Hampson relatou que, em certa ocasião ao entrar de improviso no escritório onde estavam Wesley e sua esposa, encontrou-a dominada por uma crise de ira tão grande que segurava na mão um punhado de cabelos arrancados da cabeça de seu marido.

João Wesley, sem dúvida, era um marido um pouco difícil! O seu caráter e hábitos já eram fixos: ele viajava incessantemente; a sua vida não tinha cousa alguma privada. A mulher casada com Wesley bem poderia se sentir como se estivesse atada à cauda de um cometa. Entretanto Wesley era homem de paciência invencível, de bondade ilimitada e possuía as profundezas de sentimento que uma verdadeira mulher poderia ter ganhado com facilidade. Mas a sua esposa se ocupava era de dar ferroada. A paixão verdadeiramente obsessiva que, com tamanha crueldade havia cegado essa mulher, tirou-a, mais de uma vez, do domicílio conjugal, e ela só regressava a ele depois de reiteradas insistências de seu marido. Veja uma das cartas que Wesley lhe escreveu durante esses rompimentos:

Deus tem usado muitos meios para dominar sua vontade rebelde e quebrantar a impetuosidade de seu caráter violento… Você é agora mais humilde, mais dócil, mais paciente e mais pacifica do que antes? Temo que seja o contrário; temo muito que seu temperamento natural esteja cada vez pior, ao invés de melhorar. Oh, tenha cuidado para que Deus não a entregue à cobiça de seu coração e a condene a ser guiada pela sua própria fantasia! No meio de todos esses conflitos, é uma benção imponderável você possuir um esposo que conhece o seu temperamento e pode conviver com ele; depois de você o ter provado de mil maneiras, imputando-lhe faltas que jamais cometeu, roubando-lhe, traindo a sua confiança, divulgando seus segredos, causando-lhe mil feridas aleivosas, denegrindo-o intencionalmente e tentando destruir o seu caráter, propondo-se a fazer tudo isso movida pela baixa pretensão de sobrepor seu próprio caráter, depois de seu marido ter sofrido todas essas provocações, ele ainda está disposto a perdoá-la, a olvidar o passado como se nunca tivesse acontecido, e a recebê-la de braços abertos, com a única condição de não regressar com a espada desembainhada com que sempre pretendeu feri-lo, ainda que nunca consiga lhe fazer algum mal… Minha querida Molly, basta o passado. O mal, no entanto, pode ter remédio. Você me tem causado muitos transtornos, porém não tantos que eu não possa perdoá-la. Ainda a amo e estou tão limpo de outras mulheres como no dia em que nasci. Por fim, conheça a si mesma. Não posso ser seu inimigo, mas permita que eu seja o seu amigo. Não acalente suspeitas contra mim, nem volte a me caluniar, nem me provoque mais. Não volte a lutar para alcançar domínio, poder, dinheiro ou louvores. Contente-se em ser uma pessoa particular, insignificante, conhecida e amada por Deus e por mim. Não pretenda mais privar-me da liberdade que me pertence pelas leis divinas e humanas. Deixe que Deus e minha própria consciência me dirijam. Então a governarei com doçura e a farei ver que a amo tão entranhavelmente como Cristo ama a sua Igreja.” (Carta de João Wesley à sua esposa)

Mas a esposa de Wesley era incapaz de entender essa linguagem em que a firmeza era temperada pela bondade. Por fim, resolveu separar-se definitivamente do lar conjugal, declarando que jamais voltaria a ele. Dessa vez, a medida transbordou. Wesley, que por mais de 20 anos havia sofrido um verdadeiro martírio, anotou o seguinte em seu diário: “23 de janeiro de 1771. Hoje, não sei por que motivo, ela saiu para Newcastle com a intenção de nunca mais voltar. Não a abandonei; não a despedi; não a chamarei de volta.” Assim, infelizmente foi dissolvido esse matrimônio. Mary Vazeille viveu por mais dez anos depois da separação.

LELIÈVRE, Mateo. Juan Wesley: su vida y obra” – páginas 194 a 199. Tradução Gordon Chown. Editora Vida, 1997.
FITCHETT, W.H. Os namoros e o casamento de João Wesley, 2010. http://www.metodistavilaisabel.org.br/
Imagem: The Museum of Methodism

8 comentários sobre “A esposa de João Wesley

    1. Acredito que foi mesmo muito difícil. Quando li a biografia de John Wesley fiquei muito comovida com toda essa história. Talvez ele poderia ter sido mais feliz nessa área… teve a oportunidade para isso, mas hesitou tanto que acabou nisso que relatei aqui. Porém, Deus sabe de todas as coisas.

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    1. Olá Maria José! Gostei da sua pergunta, me fez pensar também… Será como foi João Wesley como padrasto? Eu não sei, talvez esteja registrado em algum livro. O que penso dessa história toda, é que João Wesley não deveria nunca ter se casado, ou ao menos, não casado com Mary Vazeille. Ele foi muito disciplinado em tudo, muito correto com tudo, mas na vida sentimental não teve o mesmo cuidado e zelo. Pelo que eu já li sobre ele, essa sua escolha parece ter sido precipitada, mas enfim, o ser humano é falho, se temos em nós algum dom, alguma virtude, é porque vem do alto mesmo.

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  1. nos nossos dias não está muito diferente , as vezes , por mais que os casais , seja o evangélicos , isso acontece , não sei , se por ciumes ou por falta de passar mais tempo com a família , vivi algo parecido , com os meus pais .mas , graças a Deus , meus pais estão juntos , mas o ministério , tira muito o tempo da família .Mas também penso que , isto é falta de ambas as partes entenderem que ministério tem que ser os dois abraçarem a causa .isso é o que a Bíblia diz .que não devemos se casar com pessoa que não seja da mesma fé , por que isso reflete na vida conjugal .mas gostei muito de saber desta história de John wesley.obrigada querida , por compartilhar conosco.

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    1. Olá Miriam!
      Concordo com você, infelizmente em nossos dias temos muitas histórias como essa. Esse foi um dos motivos inclusive que me inspirou a escrever esse texto…

      Que benção que seus pais permanecem juntos. A união matrimonial, o casamento, é uma instituição divina, o plano de Deus para os seus filhos e filhas, para que venham desfrutar das bençãos do amor, união, comunhão, harmonia e felicidade. O problema é o pecado dentro de cada um de nós e muita (principalmente na atualidade) falta de sabedoria. Mas Deus permanece Fiel.

      Obrigada pelo comentário. Abs!

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